quinta-feira, agosto 31, 2006

Impressões jazzísticas I

Anteontem fui ver o Jacques Loussier à Cidadela de Cascais.

Não obstante as más condições logísticas (não foram péssimas, porque os músicos não se recusaram a tocar…), o espectáculo foi muito agradável.

Quanto às más notícias: fazer um espectáculo musical num recinto criado por uma tenda numa noite extremamente ventosa, em que o tecido tinha umas pontas soltas que pareciam, quando abanavam, que estavam a bater palmas, e em que a estrutura de apoio metálica rangia a cada rabanada de vento… Diga-se que deixou, no mínimo, um amargo de boca.

Mas chega de coisas más... Quanto à parte boa: o trio excede aquilo que eu esperava! Cada vez mais aprecio assistir a espectáculos ao vivo porque sinto que há sempre um ou outro pormenor que me enriquece.

Jacques Loussier tinha uma expressão corporal opaca mas com uma destreza alegre na movimentação dos dedos, que eu via reflectidos no piano; o peso da idade encurvava-lhe os ombros, mas tinha um brilho nos olhos quando passou no meio de nós, embebido na maré de aplausos. Estava muito bem sustentado por dois pilares: o baterista (André Arpino), pragmático, mas com fervor e alegria no tocar, e o contra-baixista (Vincent Charbonnier), de expressão mais jovial, e com um envolvimento prazenteiro do contra-baixo, como quem volteia uma mulher.

O material de trabalho foi (é!) excepcional (Bach, Beethoven, Mozart, Satie, Ravel), mas via-se que tocavam com um gozo extraordinário, com uma performance que proporciona um transporte dos sentimentos de quem ouve à alma do compositor, com o bónus da improvisação.

Jazz é fazer a corte a uma melodia. E estes senhores proporcionaram-me momentos que se enquadraram bem nesta minha definição.

Para quem quiser conhecer mais: http://fernould.club.fr/loussier.html

domingo, agosto 27, 2006

A propósito de pé-de-salsa...

Divagações sobre expressões com ""

"alma do pé"
Parece que os nossos pensamentos mais íntimos são sugados pela gravidade da mãe-terra e vão parar às extremidades inferiores que servem de apoio e locomoção

"pé chato"
Um pé muito aborrecido, muito difícil de aturar, uma verdadeira melga de pé

"pé do vinho"
Desde que não fuja, por mim pode muito bem ter meios de se movimentar. Aliás, a sua movimentação tem tendência a ser para cima, portanto tem mesmo de exercer alguma força contrária à da gravidade...

"a pés juntos"
Extremidades muito românticas

"a sete pés"
Uma centopeia perneta

"em pezinhos de lã"
Suaves e quentinhos

"dos pés à cabeça"
Gosto mais do que "da cabeça aos pés". Talvez porque me dê uma sensação de arrepio sensual, num movimento ascendente aprazível e não de um lençol tipo burka...

"do pé para a mão"
É preciso alguma perícia

"em bicos de pés"
A minha sobrinha andava e corria assim quando era pequenina. Faz lembrar gente em miniatura, curiosa e malandreca

"em pé de igualdade"
Dava pano para mangas, esta. Afinal, o que é a igualdade? Nem sempre é possível mas, mais que isso, nem sempre é aconselhável ou mesmo adequado... Por muito que isto seja visto como politicamente incorrecto nos dias de hoje.

"pé ante pé"
Modo como, cautelosamente, um elefante anda em cima dos nenúfares para atravessar um lago

"pelo seu próprio pé"
Todos deveriam ter capacidade para tal. Infelizmente, há uma grande maioria que não tem. É angustiante é quando isso se verifica por imposição das condições externas ao indivíduo ou por imposição de terceiros...

"dar com os pés"
Nada agradável

"pôr os pés à parede" ou "fazer finca-pé"
Teimosinho, heim...?! Vê lá se não escorregas...

"de pé atrás"
Desconfiadinho, heim...?! Vê lá se não cais...

"meter o pé na argola"
Tem de se aprender ou a evitar ou a sair dela sozinho, para bem da nossa integridade moral

"meter os pés pelas mãos"
Faz-me lembrar aqueles adolescentes que crescem muito depressa e o seu cérebro não tem tempo de se habituar gradualmente às novas dimensões do corpo - passam a derrubar tudo em que tocam e a tropeçar por tudo e por nada... e a corar. Delicioso...

"com os cabelos em pé"
É difícil, mas os carecas também passam por isto de vez em quando

"não ter pés nem cabeça"
Não paga bilhete, mas também não consegue entrar sozinho num espectáculo

"pôr o pé no pescoço" ou "vir com os pés nas mãos"
Fenómenos que requerem a prática de contorcionismo a um nível avançado. Mas, segundo os açoreanos, a última quer dizer 'oferecer presentes'...

Há muitas mais, mas não me vou alongar... mais!
Deixo só algumas às quais também associo um desejo, por enquanto não concretizado, de tecer alguns comentários: "não arredar pé" , "pôr o pé em ramo verde", "perder o pé", "pés de barro", "pés bem assentes"...

Pé-de-salsa

Quando era miúda, na escola, chamavam-me "pé-de-salsa". Talvez pela aparente fragilidade...
No dicionário da língua portuguesa contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa não aparece a expressão "pé-de-salsa". Fiquei triste.
Mas aparecem outras expressões com a palavra "pé", bem interessantes.
E "salsa" é um dos ingredientes de uma boa patanisca!