terça-feira, abril 24, 2012

a arte de bocejar


A princípio, sentimos o bocejo como um minúsculo vórtice de baixa pressão algures no meio da cabeça. Logo se espalha por todo o corpo num movimento em espiral, como num remoinho: dilata a sua faringe, narinas e canais brônquicos; erguem-se as sobrancelhas e os ombros; o diafragma baixa, para permitir que os seus pulmões expandam; obriga o coração a correr e aumenta o fluxo sanguíneo no cérebro. Depois, numa reviravolta dramática, regressa à sua cabeça, onde consegue que a sua língua se recolha e força as mandíbulas a moverem-se para os lados e para baixo.
(...)
Assim, quando o cansaço cresce dentro da sua cabeça, como um vagaroso sistema climático, vá em frente e solte um bocejo à medida do seu coração.”

Texto de Véronique Vienne, foto de Erica Lennard
In “A Arte de Não Fazer Nada”

(um livrinho extraordinário J)

sábado, abril 07, 2012

Renovação

Como a maioria dos portugueses, provenho de uma família com raízes católicas, logo, cristãs.
Desde cedo que não me senti integrada no “sistema” e cresci com a ideia de que o ateísmo era o que me assentava melhor (talvez pelo constante chamamento das matérias relacionadas com áreas científicas).
O meu Pai sempre me ensinou a tomar em consideração todos os ângulos de uma questão, a questionar todos os supostos dogmas e a digerir tudo o que me parecesse radicalismo com uma dose “q.b.” de bom senso.
Assim tenho tentado fazer e apercebi-me, com o avançar dos anos, que sou agnóstica.
Quando era mais nova, por uma razão ou outra, a ideia de Páscoa nunca foi muito além das amêndoas, dos ovos de chocolate e dos filmes sobre a vida e o sacrifício de Cristo. Mas, também com o avançar dos anos, e independentemente de correntes religiosas ou crenças dogmáticas, o conceito que serve de base a esta época dita festiva, que muitos consideram apenas mais um fim de semana prolongado, ganhou novos contornos.
Considero que se trata de valores universais, cuja importância não conseguia verbalizar até ouvir uma entrevista a Fernanda Freitas, a coordenadora do Ano do Voluntariado em 2011, conjugada com algumas palavras que li no periódico do concelho de Mafra – o Carrilhão – no editorial de Isabel Vaz Antunes.
A entrevista era sobre três valores principais associados à Quaresma, que Fernanda Freitas explicou de um modo que me agradou. Sucintamente, referiu-se ao jejum (associando-o à redução do consumo de bens materiais), à partilha (dos valores mais importantes para nos relacionarmos com quem nos rodeia, como o tempo, a amizade e o amor) e a oração (entendida como uma introspeção connosco próprios, com os outros e com o mundo em geral, para um balanço das nossas ações).
Já no editorial do Carrilhão, Isabel Vaz Antunes faz uma analogia muito interessante com os ritmos da natureza. Citando: “Se a Quaresma é o período da poda, em que, tal como o campo em que atua o jardineiro, nos libertamos das hastes que empecilham o nosso crescimento e amadurecimento saudáveis, a Páscoa é o dia em que se celebra o resultado dessa ação – retirados os estorvos, saltam os novos rebentos, viçosos, prontos a desenvolverem-se, a enriquecerem e embelezarem as vivências do mundo”.
E, acrescento eu, em analogia com a imagem que circulou no facebook há tempos, é um pouco o tempo de podar a palavra CRISE do empecilho do “S” e permitir que se CRIE.
Desejo muitas quaresmas e muitas páscoas a todos ao longo deste ano e do resto das nossas vidas!