sábado, dezembro 09, 2006

Há dias assim...












Gosto de dias assim: frios e com uma inconstância no humor. Como eu: ora faz sol, ora cai uma carga de água de bradar aos céus. Céus!

E vento. E, olha!... um arco íris lá ao fundo.

E que, de preferência, seja ao fim-de-semana. Um dia sem compromissos, para poder gozar este sentimento na sua plenitude, sugar-lhe a essência até ao tutano.

Há quem prefira as noites. Eu, sem sombra de dúvida, prefiro os dias. Como este.

quarta-feira, novembro 29, 2006

Outono


Estas árvores (plátanos) têm duas coisas muito agradáveis, no Outono: as cores e o som.

Já experimentaram pisar um tapete de folhas bem secas, bem devagarinho? É uma sensação deliciosa, diria mesmo quase voluptuosa. Pena que efémera...

quinta-feira, novembro 23, 2006

Doce entrega

História recebida numa daquelas mensagens que hoje em dia muita gente recebe nas suas caixas de correio electrónico:

« Um rapazinho de quatro anos tinha por vizinho um velhote que perdera recentemente a sua esposa. Ao vê-lo a chorar, o menino foi ao quintal do senhor, subiu para o seu colo e sentou-se.
Quando a mãe lhe perguntou o que dissera ao vizinho, o menino disse: Nada, só o ajudei a chorar.»

terça-feira, novembro 14, 2006

Impressões jazzísticas III


Patricia Barber. 2º concerto este ano em Portugal. 2ª vez que a vejo ao vivo. As impressões desta actuação foram basicamente semelhantes às que me ficaram da 1ª vez que a vi actuar. Adjectivos para descrever o que achei: grandeza (de presença física), maturidade (na interpretação e na voz), excentricidade (em pequenos pormenores, como por exemplo, o constante esfregar das mãos, o descalçar assim que se senta ao piano…). E excelência no acompanhamento. À excepção de um pequeno excerto, quanto a mim demasiado “ruidoso”, num solo da guitarra eléctrica, foi tudo divinal. E, diga-se de passagem, que estranhei a presença deste instrumento no último CD dela: a princípio achei que não iria gostar, mas essa impressão negativa desvaneceu-se durante o concerto.

Apenas gostaria de acrescentar que é estranho comparar o que me ficou ao ouvir dos seus CDs (sem a componente visual) com o que senti após presenciar as actuações. A suavidade e a calma transmitida pelas composições e pela sua interpretação levaram-me a criar uma imagem de serenidade na presença em palco e a desejar uma comunicação incondicional por parte dela com o público. Mas não é bem assim: as “divagações corporais” e o modo de estar em palco dão a entender que ela se auto-transporta para um mundo muito dela quando toca. Nada contra. Até revela uma entrega total, aspecto que só abona a favor de um artista.

Bom: sou fã desde que descobri o álbum “Verse” (“uma pérola”, como já li em algum lado, opinião que subscrevo integralmente) e assim continuo.

Para quem quiser conhecer mais: http://www.patriciabarber.com/

segunda-feira, novembro 06, 2006

Fazes-me falta

Um amigo é uma dádiva dos deuses. E perder um amigo sincero e verdadeiro causa uma mágoa profunda. Deixa um vazio na alma e um aperto no coração. Mesmo que a causa nos seja alheia. Talvez principalmente se a causa nos for alheia. Porque quando o perdemos por uma acção nossa, consciente ou inconsciente, a dor da perda confunde-se com a culpa que nos corrói o íntimo. Mas quando isso acontece por circunstâncias da Vida, a mágoa é um lago sereno que nos ocupa o horizonte, para onde quer que nos viremos…

E o perder um amigo pode não ser perder a sua amizade. Pode, tão simplesmente, ser o perder da espontaneidade que uma relação tinha. O perder da doçura de um sorriso, da satisfação de um brilho no olhar, da surpresa de uma gargalhada inesperada, do prazer de uma demonstração de ternura ou de um gesto carinhoso de apoio incondicional. Pelo arrastar do tempo, pela mudança da atitude perante o nosso modo de ser, pela mudança na visão que se tem do outro ou do seu mundo, pelo somar de partidas que a vida nos prega, enfim… pelo instalar de um silencio incomodativo, que cai não se sabe de onde e se torna cada vez mais espesso, qual nevoeiro à beira-rio num dia abafado.

Mas, como ouvi num filme, os deuses invejam-nos porque somos mortais. Para nós, qualquer momento pode ser o último. E quem se apercebe dessa incerteza vê o mundo com olhos de ver, sente a Vida com a intensidade que ela merece. E até a mágoa faz parte da Vida. A saudade dos bons momentos só se sente porque esses momentos foram bons enquanto duraram e já não voltam mais. E não adianta querer com todas as nossas forças. Como diz a canção, “a saudade é como um barco, que aos poucos descreve um arco e evita atracar no cais…”
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quarta-feira, outubro 25, 2006

Interrupção Voluntária da Gravidez

E pronto. Lá vamos nós começar novamente com o debate. Quando me falam em referendo, a ideia que me assola mais rapidamente o espírito é a falta de coragem política. Afinal, para que é que elegemos os nossos governantes? Talvez seja por isto que a maioria das pessoas não vota hoje em dia nos referendos: “eles que decidam por nós, como lhes compete…”
Bom, mas já que se fala tanto nisso, aqui fica a minha opinião sobre a interrupção voluntária da gravidez (até a palavra aborto me incomoda…).
Não posso dizer que sou contra: aceito que existam inúmeras situações que se encontram para além de um julgamento simplista e nas quais não se vislumbre, a determinada altura, qualquer outra alternativa. Até porque não deve ser um processo fácil para a maioria das mulheres que decidem fazer uma coisa destas (digo maioria, porque também acredito que há pessoas e pessoas…).
Mas também não sou a favor, assim, a nu e a cru, sem mais consideração nenhuma… Tenho muita dificuldade em compreender a falta de informação que existe a nível de planeamento familiar, a inércia em se apostar numa educação sexual adequada (seja na escola, seja em família), enfim, nas lacunas que temos a montante deste processo.
E, por outro lado, embora não seja solução para todos os casos, há sempre a alternativa da adopção: quantas vezes não se ouve falar dos inúmeros casais que tentam, durante anos a fio, uma adopção, sem o conseguir, esbarrando com dificuldades incontáveis e por vezes incontornáveis? Neste campo, há ainda muito que as chamadas “entidades competentes” podem fazer para permitir uma intersecção maior e mais adequada entre estes dois conjuntos.

Resumindo e baralhando: ainda não sei como votar. Se votar sim, por muito que me doa, fá-lo-ei por aquelas mulheres que sofrem (muito mais do que eu certamente possa imaginar) apenas por decidirem que não têm alternativa. Se votar não, faço-o por protesto à ineficiência do sistema, que não permite a muitas dessas mulheres vislumbrarem alternativa…
Se é que vou votar… Eu sei que há quem diga que não nos podemos demitir deste tipo de dever cívico, mas sinceramente é o que me apetece. Se nos perguntassem outras coisas em paralelo, para podermos dar uma opinião, fazer críticas construtivas… Mas não. Ou "sim", ou "não"! E esta questão, definitivamente, não se resume a isso.

sexta-feira, outubro 20, 2006

"Uma verdade inconveniente"

As impressões que me ficaram do filme/documentário “Uma verdade inconveniente” não foram demasiado derrotistas. Aliás, grande parte do que foi dito não me surpreendeu. Não porque o soubesse de um modo científico, mas por somar 2+2 do que aprendi na escola e do que tenho ouvido, visto e lido nas diversas fontes de informação existentes actualmente.

Fui ver o filme com uns amigos. As opiniões divergiam entre “estamos todos lixados” e “aquilo soa-me a treta”. Concordo que o modo como foi montado e apresentado mais parecia uma campanha pró-Al Gore… Mas, convenhamos que, pelo menos para mim, o filme parece ter sido feito à medida do que eu entendo por “Norte-Americano Médio” (obviamente, EUA). Toda aquela panóplia de alarmismos e alegorismos, ilustrados através de gráficos extremamente simples e projecções de bonecos e ilustrações com carácter “naïf” e (achei eu) bastante redutor, servem, no meu entender, para levar uma mensagem de “Oh, God, what have we done?? We’re all seriously f…!!”. Senão, não funciona… Por isso, até acho que, para este tipo de público alvo, o formato e o conteúdo eram sofríveis.

Mas as impressões/considerações gerais que eu retenho do que vi resumem-se, basicamente, a:

Aspectos negativos
· A extrapolação dos dados não tinha em linha de conta, ao que tudo indica, as medidas que já se encontram, neste momento, a ser tomadas por uma grande parte do dito “mundo civilizado”.
· Não houve qualquer testemunho na 1ª pessoa por nenhum dos técnicos/cientistas que foram sendo citados ao longo do filme. Medo de represálias…? Há certamente pessoas que, tendo os seus nomes associados a movimentos que apoiem esta causa ou publicados em artigos que revelem os dados que foram expostos, estariam dispostas a colaborar numa iniciativa deste tipo, à escala global.
· A “martelada” acerca do que está desgraçadamente mal foi (estimo eu grosseiramente) cerca de 80 a 90% do tempo do filme, enquanto que a parte positiva, acerca do que se pode fazer, ocupou apenas uma pequena parte do final…

Aspectos positivos
· Foi apresentada uma lista de cidades dos EUA que já se encontram a seguir as directivas do protocolo de Quioto, não obstante o país em si não o ter ratificado. Eu, como não sabia disto, pensava que as coisas por lá estavam bem mais negras. Mas, se já há Estados a “puxar” para o lado certo, já é um começo…
· Embora escassas (como referi nos aspectos negativos), existem sugestões de como o cidadão comum pode ajudar a minimizar os efeitos do aquecimento global. O próprio filme refere que a batalha pode (e deve) ser travada pessoa a pessoa, cidade a cidade… Bom, talvez seja um pouco exagerado, mas grão a grão…

À laia de conclusão, posso dizer que, pelo menos, este filme teve a sua contribuição para pôr as pessoas a falar. Só espero que não passe de conversa!

Para quem quiser aceder ao site do filme: http://www.climatecrisis.net/

domingo, outubro 15, 2006

Fotografia – Cor & Textura

Descobri há pouco tempo a fotografia. Sempre gostei de ver, mas nunca me tinha lançado à empreitada de conhecer mais que para além de um trabalho de escola sobre o tema. E agora, confesso, não sei muito mais que nessa altura. Tenho é a grande vantagem de ter do meu lado as novas tecnologias: uma máquina digital que faz maravilhas para “totós” como eu…

Entretanto, descobri também o site "Olhares". Pode não ser o melhor nem é, de modo algum, o único com o intuito de divulgar esta arte. Mas foi aí que me aventurei a expor os meus primeiros “trabalhos” enquanto curiosa.

Desde então que fotografo quase tudo o que me aparece à frente, tenha ou não interesse como imagem a ser divulgada: apenas capto o que vejo, seguindo o meu ímpeto e os meus sentidos. E tenho cada vez mais avidez de captar com a câmara o que considero que possa retratar as coisas, as sensações e, porque não, os sentimentos que me fazem sentir bem, me perturbam ou que, simplesmente, me captam a atenção.


Quando refiro os sentimentos, confesso que os considero difícil de transmitir numa imagem. Principalmente porque não me sinto minimamente à vontade para fotografar pessoas: os retratos de pessoas, seja com expressões faciais seja com expressões corporais, serão, talvez, os grandes veículos para transmissão de sentimentos em fotografia. E os objectos inanimados ou imagens que não contenham componentes humanos podem ter interpretações diversas das que lhe damos quando fotografamos – há, na minha modesta opinião, um risco maior de não conseguirmos fazer passar a mensagem que está na nossa cabeça.


De entre os temas mais fáceis de retratar, ou melhor, de entre os elementos que contribuem mais objectivamente para transmitir uma determinada mensagem contida numa imagem, encontram-se as cores e as texturas. Porque dependem principalmente da visão. Um amigo fez-me ver que as texturas são acentuadas com o ângulo da luz: o início ou o final do dia proporcionam-nos as melhores condições para salientar alguns tipos de texturas. E (obviamente, quando não se trabalha a preto e branco) as cores e as suas combinações são essenciais para conseguirmos transmitir a nossa mensagem com a força que a imagem que captámos nos transmitiu a nós próprios.


Deixo aqui alguns exemplos do que tenho fotografado dentro deste âmbito.

Agradeço comentários construtivos… É que o site “Olhares” peca por isso: os seus participantes raramente criticam as fotos que lá coloco de modo a dar-me pistas ou abrir-me novas portas para a procura da melhoria do trabalho exposto.


O meu próximo objectivo é fotografar o vento. E vou-me debruçar também na pesquisa de como retratar sensações como o cheiro ou o sabor…

quinta-feira, outubro 05, 2006

Impressões jazzísticas II

Sassetti, Laginha, Burmester. 3 pianos no grande auditório do CCB. Felizmente apenas com a acústica dos mesmos, que da última vez que lá estive o sistema de amplificação deixou muito a desejar, mesmo para uma leiga como eu.

Bem, foi mais um espectáculo de música no sentido lato, não necessariamente só jazz – teve também clássica, com composições de épocas muito diversas. Mas com muito improviso, portanto cá vão mais umas impressões jazzísticas.

Antes de mais, muito bom. Eu para apreciar música apenas conto com o meu sentimento: não percebo nada nem da arte nem da técnica… Mas ontem tive a oportunidade de comparar modos de tocar este tipo de instrumento. E o que é que senti?
Burmester num universo clássico. A páginas tantas, Sassetti disse que iriam tocar uma peça de Bach, nas quais Burmester é um mestre… Bom, Pedro iria tocar, ele iria tentar… Realmente, exímio na técnica. Um som soberbamente fluido. E daí em diante, conseguia distinguir quando era ele a tocar, pelo som que saía das teclas. A meu ver, apenas lhe falta, no seu modo de estar, um pouco de humildade.
Laginha num universo mais jazzístico. Para mim. O seu modo de tocar era mais cru, o som parecia mais martelado. Com uma força no sentir da música. Vê-se que lhe está no sangue. Gostei muito. Tanto do seu modo de interpretar como do seu modo de estar: sincero, um pouco reservado, mas intenso. Vou passar a ouvir mais e a ter mais atenção, porque confesso que não era dos meus favoritos…
E Sassetti? Sassetti… Claramente o que mexe mais comigo. Descontraído, jovial, bem humorado. O elemento de ligação entre Burmester e Laginha, no meu entender. Apresentou uma composição nova, feita para a peça Frei Luís de Sousa. É uma sonoridade que me estimula os sentidos, embriaga a minha alma e aloja-se no meu íntimo de tal modo que fico pendurada na melodia como uma criança que observa pela primeira vez alguém a fazer algodão doce. Como é que aquilo aparece do nada?...

Para quem quiser saber mais:
Burmester: http://www.musica.gulbenkian.pt/?cgi-bin/wnp_db_dynamic_record.pl?dn=db_musica_biographies_pt&sn=musica&orn=324
Laginha: http://www.mariolaginha.org/
Sassetti: http://www.claricehadalittlelamb.net/entrevistas/bs/

quarta-feira, setembro 20, 2006

A busca...

A busca incessante pela felicidade pode levar-nos a um processo de transformação. O processo de amadurecimento. E, quando nos apercebemos disso, já não há retorno.
Talvez seja por isso que o povo diz que a felicidade não se procura. Ela deve vir ao nosso encontro, para que seja plena e não deixe marcas. Porque, quando a procuramos, pode-se revelar um processo doloroso e não resultar do mesmo modo que com as crianças (e incluo aqui todos os adultos com alma de criança) que acolhem a felicidade como quem recebe a chuva num dia de Verão ou um raio de sol num dia de Inverno.
Comparo a busca da felicidade, em certos casos, à luta de um animal selvagem pelo seu espaço, pelo seu estatuto, pela sua liberdade: quando acaba essa mesma luta, tanto mais violenta quanto mais elevados forem os seus objectivos, pode ter ganho o seu espaço, o seu estatuto ou a sua liberdade. Mas depois tem de se sentar a um canto, lambendo as suas feridas. E, quando sara, nunca mais volta a ser o mesmo.

segunda-feira, setembro 11, 2006

Arte & Amor

Divagação sobre as impressões de uma tertúlia a dois.

A Arte é o expoente máximo da Técnica, por excelência.
Mas sempre acompanhada do dom da percepção intuitiva das coisas.
Possuir o dom, sem trabalhar a técnica, ou trabalhar a técnica sem possuir o dom, não leva a lado nenhum…

Quando se traça uma linha ou se escreve uma frase, há que ter a percepção do todo. Mas a técnica para se obter esse todo, que só se aperfeiçoa com o tempo de prática e aprendizagem, com a tentativa-erro, é essencial para se evoluir no modo de exprimir o que se tem dentro da alma. Não adianta saber traçar a linha ou saber o que se pretende escrever, tendo a percepção do todo, se não se pratica a técnica para aperfeiçoamento do concretizar do sentimento. E, do mesmo modo, não adianta de nada praticar a técnica se não se tem o dom de saber traçar a linha ou de se conseguir por um pensamento por escrito com a intuitiva noção de como deve resultar o todo.

Aqui comparo o Amor (em sentido lato) à Arte: nas relações entre as pessoas, há que ter o dom e trabalhar intensamente a técnica. Sem o sentir não há Amor. Mas sem se aprender a lidar com a rotina, os dissabores, os defeitos, as adversidades, enfim, as inúmeras dificuldades do convívio humano, também não se vai a lado nenhum…

E cada um tem de dosear os dois pratos da balança consoante a sua natureza: na Arte e no Amor.

sábado, setembro 09, 2006

Silêncio


Há o silêncio de cortar à faca, quando o ambiente é pesado ou constrangedor e desagradável.
Há o silêncio sepulcral quando, por exemplo, se sabe de uma notícia tão ruim que nem nos atrevemos a comentar, pairando sobre nós como que uma tempestade seca prestes a explodir...

Há o silêncio de ouro, quando precisamos de estar sós e descansar a mente e o espírito.


E depois há aquele silêncio confortável, quentinho, que nos mima por dentro, de quando estamos com quem nos habita o coração. De quando, como disse António Lobo Antunes, "As palavras são desnecessárias (...) uma pessoa de quem eu gosto é aquela com quem estou bem em silêncio."
Este é um tipo de silêncio inestimável, cheio de conteúdo e que nos faz sentir em harmonia com o mundo e com a Vida. Abençoado é aquele a quem é concedida esta dádiva. E precioso é quem nos proporciona este bem estar com o Universo.

"O rio da minha aldeia não faz pensar em nada. Quem está ao pé dele está só ao pé dele." Fernando Pessoa

quinta-feira, agosto 31, 2006

Impressões jazzísticas I

Anteontem fui ver o Jacques Loussier à Cidadela de Cascais.

Não obstante as más condições logísticas (não foram péssimas, porque os músicos não se recusaram a tocar…), o espectáculo foi muito agradável.

Quanto às más notícias: fazer um espectáculo musical num recinto criado por uma tenda numa noite extremamente ventosa, em que o tecido tinha umas pontas soltas que pareciam, quando abanavam, que estavam a bater palmas, e em que a estrutura de apoio metálica rangia a cada rabanada de vento… Diga-se que deixou, no mínimo, um amargo de boca.

Mas chega de coisas más... Quanto à parte boa: o trio excede aquilo que eu esperava! Cada vez mais aprecio assistir a espectáculos ao vivo porque sinto que há sempre um ou outro pormenor que me enriquece.

Jacques Loussier tinha uma expressão corporal opaca mas com uma destreza alegre na movimentação dos dedos, que eu via reflectidos no piano; o peso da idade encurvava-lhe os ombros, mas tinha um brilho nos olhos quando passou no meio de nós, embebido na maré de aplausos. Estava muito bem sustentado por dois pilares: o baterista (André Arpino), pragmático, mas com fervor e alegria no tocar, e o contra-baixista (Vincent Charbonnier), de expressão mais jovial, e com um envolvimento prazenteiro do contra-baixo, como quem volteia uma mulher.

O material de trabalho foi (é!) excepcional (Bach, Beethoven, Mozart, Satie, Ravel), mas via-se que tocavam com um gozo extraordinário, com uma performance que proporciona um transporte dos sentimentos de quem ouve à alma do compositor, com o bónus da improvisação.

Jazz é fazer a corte a uma melodia. E estes senhores proporcionaram-me momentos que se enquadraram bem nesta minha definição.

Para quem quiser conhecer mais: http://fernould.club.fr/loussier.html

domingo, agosto 27, 2006

A propósito de pé-de-salsa...

Divagações sobre expressões com ""

"alma do pé"
Parece que os nossos pensamentos mais íntimos são sugados pela gravidade da mãe-terra e vão parar às extremidades inferiores que servem de apoio e locomoção

"pé chato"
Um pé muito aborrecido, muito difícil de aturar, uma verdadeira melga de pé

"pé do vinho"
Desde que não fuja, por mim pode muito bem ter meios de se movimentar. Aliás, a sua movimentação tem tendência a ser para cima, portanto tem mesmo de exercer alguma força contrária à da gravidade...

"a pés juntos"
Extremidades muito românticas

"a sete pés"
Uma centopeia perneta

"em pezinhos de lã"
Suaves e quentinhos

"dos pés à cabeça"
Gosto mais do que "da cabeça aos pés". Talvez porque me dê uma sensação de arrepio sensual, num movimento ascendente aprazível e não de um lençol tipo burka...

"do pé para a mão"
É preciso alguma perícia

"em bicos de pés"
A minha sobrinha andava e corria assim quando era pequenina. Faz lembrar gente em miniatura, curiosa e malandreca

"em pé de igualdade"
Dava pano para mangas, esta. Afinal, o que é a igualdade? Nem sempre é possível mas, mais que isso, nem sempre é aconselhável ou mesmo adequado... Por muito que isto seja visto como politicamente incorrecto nos dias de hoje.

"pé ante pé"
Modo como, cautelosamente, um elefante anda em cima dos nenúfares para atravessar um lago

"pelo seu próprio pé"
Todos deveriam ter capacidade para tal. Infelizmente, há uma grande maioria que não tem. É angustiante é quando isso se verifica por imposição das condições externas ao indivíduo ou por imposição de terceiros...

"dar com os pés"
Nada agradável

"pôr os pés à parede" ou "fazer finca-pé"
Teimosinho, heim...?! Vê lá se não escorregas...

"de pé atrás"
Desconfiadinho, heim...?! Vê lá se não cais...

"meter o pé na argola"
Tem de se aprender ou a evitar ou a sair dela sozinho, para bem da nossa integridade moral

"meter os pés pelas mãos"
Faz-me lembrar aqueles adolescentes que crescem muito depressa e o seu cérebro não tem tempo de se habituar gradualmente às novas dimensões do corpo - passam a derrubar tudo em que tocam e a tropeçar por tudo e por nada... e a corar. Delicioso...

"com os cabelos em pé"
É difícil, mas os carecas também passam por isto de vez em quando

"não ter pés nem cabeça"
Não paga bilhete, mas também não consegue entrar sozinho num espectáculo

"pôr o pé no pescoço" ou "vir com os pés nas mãos"
Fenómenos que requerem a prática de contorcionismo a um nível avançado. Mas, segundo os açoreanos, a última quer dizer 'oferecer presentes'...

Há muitas mais, mas não me vou alongar... mais!
Deixo só algumas às quais também associo um desejo, por enquanto não concretizado, de tecer alguns comentários: "não arredar pé" , "pôr o pé em ramo verde", "perder o pé", "pés de barro", "pés bem assentes"...

Pé-de-salsa

Quando era miúda, na escola, chamavam-me "pé-de-salsa". Talvez pela aparente fragilidade...
No dicionário da língua portuguesa contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa não aparece a expressão "pé-de-salsa". Fiquei triste.
Mas aparecem outras expressões com a palavra "pé", bem interessantes.
E "salsa" é um dos ingredientes de uma boa patanisca!